Um dia fazes de mim
princesa do Minho. Era assim que pensávamos naquele tempo. Tínhamos
casamento marcado, roupa escolhida ao mais pequeno dos detalhes, filhos para
nascer. Tínhamos tudo.
Na verdade não passavam de pensamentos, ideias,
sonhos, objectivos. Mas era essa a nossa realidade. Pelo amor atribulado, pela
relação completamente utópica (no sentido de perfeita mas real, não existia
sequer a pretensão de algo género conto de fadas, era perfeita não só pelo
trabalho que deu em alcançá-la mas também pela sinceridade com que a vivíamos e
encarava-mos) que tínhamos.
Momentos perdidos no tempo. Não era sequer
variável a ter em conta. Um do outro, um para o outro, mas cada um no seu
mundo. Vivemos assim nessa altura. Deixei de me sentir bem em outros lugares.
Só no nosso canto. Quando o deixava sentia um aperto, e de manhã, ao saber
chegar, a adrenalina de uma criança em dia de natal. Da porta para dentro
estava segura. Não que existisse algum tipo de bicho papão lá fora. Não. Apenas
não era o meu espaço.
A casa era tua, é um facto. Mas passou a ter também um
bocadinho de mim. Acredito, inocentemente, que talvez sentisses a minha falta
num ou noutro momento. Trazia-te qualquer coisa de feliz, qualquer coisa que há
muito não vivias. Os olhos sempre o confirmaram. Era assim a minha presença.
Ainda que te tente justificar, não o consigo fazer. Por pior que tudo corresse
do outro lado, era-me inevitável sentir uma alegria imensa ao entrar no “nosso
mundo”.
Para a comum das pessoas talvez não faça sequer
sentido o que digo. Para mim chegava. Baseava-se em simples factos e
acontecimentos, esse encantamento que sentia. Ali podia ser eu. Abria janelas
para deixar o sol espreitar. Um sofá virado à rua que me permitia ter luz e
ouvir passarinhos em dias quentes, chegava. Como chegavas também tu e uma
guitarra. Dias inteiros. Confesso-te que levarei comigo para sempre as músicas
que tocavas. Uma em particular. Tocará no meu coração o resto da vida, como uma
melodia feita só para mim, ainda que não o fosse. Eu não me importava. A forma
como a tocavas fez dela minha.
Nestes pequenos nadas residia a magia. Não nos
apercebíamos que o mundo lá fora não parava. Só nós. Era como te disse uma
nostalgia do que ainda não passou.
Um dia que dês a conhecer este texto a alguém fá-lo a
quem como eu tenha partilhado aquele lugar. E que te tenha vivido a ti também.
Só assim poderão entender a imensidão de paz que a atmosfera da tua casa
transmitia e o ser especial que é a tua pessoa.
Este texto é não só uma lembrança para nós, mas para
os nossos. As agruras da vida certamente nos trarão alguns dissabores, mas
promete que lerás isto sempre que precisares de um mimo e eu não estiver. Pelo
tempo, pela vida. Lê, relê. Decora como decoraste as curvas sinuosas do meu
corpo, a minha gargalhada que tantas vezes foi ouvida naquele espaço.
Nunca esqueças. Porque ali fomos felizes. Aqui. Hoje.
Não digas nada.
A 26 de junho de 2011. Já foi há muito tempo. Como nós. Hoje não nos falamos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário