terça-feira, 3 de abril de 2012

Mais uma história:



Já todos vivemos um amor de verão, pelo menos uma vez. Se quisermos em vez de amor de verão podemos chamar-lhe paixão com data de validade semelhante à de um antibiótico.

Quero a mão no ar de quem já sentiu um olhar que faísca quando nos deitamos na toalha lado a lado (incrível como num grupo quando se quer se arranja forma de a toalha ficar esticada sempre lado a lado) nele uns olhos que sorriem quando se pede para passar Piz Biun nas costas (e nesse exacto momento pensamos que ele está a gastá-lo todo só para estar aqui com as manápulas e isto foi caro como o caraças), lábios que se mordem quando se mostram as marcas branquelas do bronzeado, coração palpitante quando se vai ao mar a dois (nos calções do gajo costuma haver algo para além do coração que também palpita bastante…), uma sensação de energia que vamos buscar sei lá onde ao jogar volei com ele só para não dar parte fraca, noites quentes que começam com jantares em esplanadas onde os cocktails batem à séria e ficamos tão expostas como as amêijoas à bolhão pato que fomos lá comer, pernas que tremem depois de tanto álcool, mas que estão programadas para que em piloto automático dancem até ser dia. Álcool este que acaba por ser nosso amigo e nos deixa no dia seguinte no meio de muitas brancas poder recordar o beijo, o primeiro beijo das férias, o primeiro de muitos, aquele que teve um sabor doce, mas que nos deixou mais quentes do que o sol do meio dia (talvez estes beijos sejam até mais perigosos do que o sol a essa hora, talvez).
Comigo também não foi diferente, aliás estou aqui com a mão no ar. Acho que tinha um amor de verão de cada vez que ia de férias na adolescência (o que dá uma boa dose de paixões, uma vez que para mim somos adolescentes até acabar a faculdade, no meu caso agrava porque até tirei dois cursos).
Ele chamava-se Guerreiro Mestre, só pelo nome dá para perceber a pinta de artista do menino. Era alto, moreno, olhos mel, de sotaque alfacinha (coisa que para uma tripeira nem sempre é fácil), mas a favor dele estava o cabelo despenteado, o estilo descontraído de um estudante de desporto, o sorriso branco e malandro (que brilhava mais do que os meus ombros com óleo Johnson e era mais malandro do que o arroz de 15), a voz rouca e o sentido de humor, não há nada mais sexy do que um gajo que nos sabe fazer rir.
Estávamos de férias no mesmo aldeamento, metia-se comigo de cada vez que nos encontrávamos no bar da piscina por causa do meu nariz empinado e a certeza que isso lhe dava em como eu era do norte (devem usar todos a mesma táctica, o Alfaiate Lisboeta fez-me o mesmo no Lux numas férias de Páscoa, talvez para minha sorte nessa altura já tivesse saído da faculdade e já não me sentisse uma adolescente… ainda por cima o Zé é giro, cheio de cenário, conhece bem as mulheres e sabe como chegar a elas…foi engraçado, mas ainda bem que nunca fomos comer amêijoas senão ia ser mais uma paixão com validade de antibiótico) respondia eu ao Mestre cada vez que me chamava tripeira "não te preocupes comigo, preocupa-te contigo, as alfacinhas ficam murchas na água…no vosso caso acho que até os tomates". Confessou-me alguns dias depois que nada nele ficava murcho quando me via, era nessa altura que eu dizia "olha tenho de ir que a minha mãe está-me a chamar…" e ele " mas a tua mãe não está cá…" eu "pois não, mas é uma espécie de telepatia tripeira…fui!" eu era uma miúda respondona, ele sabia-a toda (era o Mestre na Guerra como eu lhe costumava dizer, o nome combinava) e criavam-se todas as condições necessárias para um perfect-match de verão.
Entre picardias Porto - Lisboa, FCP - SLB, Norteshopping - Colombo, éramos inseparáveis, mesmo quando estávamos em grupo (os grupos de férias nestes aldeamentos são sempre tipo Big Brothers, não temos nada a ver uns com os outros, mas como temos de nos gramar durante X dias, mais vale aproveitar a aventura), dávamos umas corridas de manhã, uns mergulhos antes do almoço, passávamos tardes como lagartos ao sol, jogávamos volei de praia, futeboladas e sueca. A coisa tornava-se mais estreita quando nos fins de tarde ele me puxava para uma esplanada para ver o por do sol e bebíamos finos (para ele imperiais claro) comíamos tremoços enquanto baixávamos a guarda mais um pouco e trocávamos histórias de vida. É engraçado como num inicio de paixão falamos sempre das que deram errado e das que tinham tudo para dar certo, é automático, mas acho que é mais do que uma troca de galhardetes, é para ambos percebermos em que fase da coisa estamos e como gostávamos que esta paixão viesse a ser. Saíamos desses fins de tarde mais unidos e embeiçados um pelo outro, só nos largávamos para ir cada um ao seu quarto tomar banho, mergulhar em perfume (sim quando se está apaixonada gasta-se o frasco quase todo) e escolher o melhor outfit para a noite, coisa fácil, porque quando se está de sorriso parvo e de pele bronzeada tudo nos fica bem.
As borboletas começavam a instalar-se no estômago a meio de cada jantar, os elogios de parte a parte saciavam-nos mais do que cada garfada de paelha. No caminho até ao dance flor, também o meu ego caminhava nuns pumps de salto alto, sentia-me no topo do mundo, mesmo que soubesse que quem vai à guerra dá e leva, estava ali sem escudo protector e afinal era só mais uma batalha de verão que tinha de enfrentar, mesmo que este fosse o Guerreiro Mestre. Bebiamos shots de moranguito e brindávamos eu com vodka, ele com whisky ao facto do destino nos ter alojado no mesmo aldeamento. Dançávamos os hits do momento e os corpos comunicavam entre si, era uma espécie de mensagem encriptada que os lábios não tinham coragem de falar alto. Eu que sempre fui respondona, nessas alturas ficava sempre sem saber muito bem o que dizer. Estávamos colados um no outro, mas deixávamos rolar sem pressas , é assim que se faz no verão, ainda por cima quando a música gritava "deixa acontecer naturalmente, deixa que o amor encontre a gente…"
Uma noite, na ultima noite, voltamos os dois sozinhos para o aldeamento, as mãos pareciam feitas de íman e uniam-se em segundos para percorrer os quilómetros até casa, ainda pra mais quando íamos os dois a andar em zigue-zague, ele segurava-me nos pumps enquanto eu demorava 5 minutos para encontrar o isqueiro na carteira e cada vez que queria fumar tínhamos de nos sentar na beira da estrada (ainda hoje não gosto de fumar a andar) e nesses momentos o tempo parava, o meu olhar paralisava nele e o dele em mim, quando os narizes se aproximavam decidíamos fazer o quatro para ver se estávamos em condições de andar mais um pouco. Nenhum dos dois acreditava em relações à distância, eu era do Porto, ele de Lisboa, tudo bem que era verão e estávamos em pleno Algarve-catedral-dos-amores-de-verão, mas mesmo alcoolicamente bem dispostos não éramos parvos, sabíamos que os amores de verão se enterram na areia no fim das férias, aliás tínhamos falado tantas vezes nisso nos fins de tarde a ver o por do sol…
Pronto, talvez fossemos um bocadinho parvos, pois decidimos ficar deitados debaixo de um chaparro a contar as estrelas até ser dia. E acreditem em mim, debaixo de um chaparro quando nos oferecem uma flor pequenina para colocar na orelha, desapertam a camisa para que o peito se transforme em almofada (e ainda por cima têm uma parede abdominal que parece uma barra de chocolate), quando nos fazem uma festa suave na perna, mas que ao mesmo tempo nos arrepia a espinha enquanto nos dizem ao ouvido (mesmo com sotaque alfacinha) que foram as melhores férias de sempre e que debaixo daquelas estrelas somos ainda a mais bonitas isso dá-nos o direito de nos fazermos de parvos e acreditar que estamos a viver um conto da Disney. E assim foi, naquela noite demos mais beijos do que as estrelas que existiam no céu, mordíamos os lábios um do outros e dizíamos o quanto era bom sermos dois em apenas um. Era a última noite, tínhamos tido tantos dias, tantas noites, mas só na última noite fomos parvos, talvez porque desde pequeninos, os contos da Disney nos ensinem que só no último episódio é que tudo de bom acontece e depois vivem felizes para sempre. Era já de manhã, não nos queríamos largar! Resolvemos não dormir (quando estamos apaixonados vamos buscar energia às pontas dos dedos dos pés, não vamos?), passamos a manhã inteira juntos tentando não falar no "e depois?", os meus lábios já não eram lábios, era morangos enormes e o queixo tinha sido completamente atropelado pela barba de 3 dias que o fazia parecer único e super giraço, estava cada vez mais perto da hora do check out e de ele seguir até Lisboa e eu rumar ao Porto, era impossível por muito que não quiséssemos começar a falar em tom de despedida. Dizíamos num tom triste e já saudosista, mas de brincadeira (tom de adolescentes que já tinham tido outras paixões de verão com prazo de validade semelhante ao dos antibióticos) que este amor de verão foi o melhor de todos, vamos falando, vamos marcando encontros tipo a meio em Coimbra ou então cada vez que olharmos para as estrelas, vai ser como um reencontro, ele dizia que vinha ao Porto para lhe pagar uma francesia e que eu iria a Lisboa para ele cozinhar para mim as especialidades alfacinhas. No fundo sabíamos que isso não ia acontecer, mas estávamos na fase bolha actimel do amor e naquela altura parecia tudo fácil e concretizável. Despedimo-nos com um até já, porque um adeus custa sempre mais.
Segui viagem com a certeza de que esta tinha sido a paixão de verão mais intensa, mais divertida, desta vez ia custar mais ao coração sossegar (ainda por cima ele foi o mais giro de todos). Já no porto, os dias passavam com a naturalidade de sempre e íamos falando cada vez com menos frequência, era o melhor para os dois. Na memória tinha os bons momentos e o sorriso dele, felizmente para minha sorte cá não há chaparros e como não os via não levava constantemente murros no estômago (sempre que nos lembramos das coisas que mais adoramos o estômago embrulha e parece que levamos murros, chiça).
Depois de vivermos uma paixão de verão, resta-nos esfolar só depois de esfolar e de voltarmos a ficar pálidas é que enterramos a paixão na areia. Sentimo-nos preparadas e guardamos mais uma história gira na gaveta do fundo e deixamos lá a história, a pessoa e esse bocadinho de coração. Ah! E só vamos a essa gaveta quando queremos contar às nossas amigas o gato que conhecemos no verão de 2002 e o bem que isso nos proporcionou à beleza porque estar apaixonada é uma espécie de rádiofrequência que nos amansa as rugas.
E sim, as paixões têm uma data de validade semelhante à dos antibióticos, sim muitas vezes sabemos que não vai dar em nada mas mais vale arriscar do que não ter nada na gaveta do fundo pelo medo de tentar.
Ponha a mão no ar, quem guarda na gaveta amores de verão, memórias ímpares e quem ainda se arrisca uma vez e outra e outra a se parecer com personagens de contos da Disney sem medo de parecer Pateta. Venha o verão!

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