sexta-feira, 30 de março de 2012

E cá está uma das histórias que partilharam connosco:


Pois é, decidi partilhar convosco uma história que me fez voltar a acreditar no amor.
Talvez para mim tenha tido um grande impacto porque também eu tive um amor assolapado por alguém muito especial, mas que deixei de poder abraçar de um dia para o outro… e não por nossa vontade.
Era sexta-feira, precisava de terminar o meu portefólio e tinha deixado o sítio que me punha a cabeça a mil e as emoções à flor da pele para fotografar em último lugar, custava-me voltar à ilha de Tavira por tudo o que lá tinha vivido no Verão passado com ela.
Apanhar aquele barco era como se estivesse a fazer uma retrospectiva da minha vida e a estivesse a ver em powerpoint, sabia que ia doer, mas precisava de continuar com o meu trabalho que sempre foi o que me manteve ligado à corrente para ter força para continuar.
A ilha estava praticamente deserta, ideal para a minha sessão, precisava de captar a essência daquelas paisagens. E assim foi. Já estava de volta à cidade, com o ego confuso de quem tinha vivido ali os melhores momentos da vida, os piores… mas também com a certeza de que nunca tinha fotografado nada tão bem.
Ao sair do barco e cheio de pressa para correr para casa para editar as minhas fotos, tropecei numa carteira. Numa de perceber quem era o dono tive de cuscar, tinha apenas 10€ e uma carta amassada, parecia já estar ali há anos e anos. No envelope completamente amarelado e atropelado a única coisa legível era o endereço do remetente. Quando dei por mim já estava a ler a carta, estava pasmado, tinha sido escrita há quase sessenta anos atrás, e pelo jeito organizado só podia ter sido escrita por uma mulher, só as cenas feitas por mulheres conseguem durar sessenta anos. É uma espécie de cena estranha que elas têm, entre outras que nunca vamos compreender. Resumidamente a Vitória (e sim, uma vez que li algo tão pessoal dela posso trata-la de abraço) enviou ao seu mais que tudo esta tal carta para lhe dizer que não se podiam encontrar mais nenhuma vez porque os seus pais a tinham proibido, mas que o amaria para sempre e que ele foi a melhor coisa da vida dela. Aquilo mexeu comigo de tal maneira (e logo naquele sítio…) que tinha de saber quem era o Querido Sebastião a quem ela dedicava toda aquelas juras de amor. Pensava para mim que se o Sebastião guardou esta carta na mesma divisória onde meteu os 10€ era porque esta sim, era o que ele tinha de mais valioso.
Depressa me passou a pressa de correr para casa e editar as fotos, preferi pesquisar a morada que se encontrava no remetente e decidi ir até lá no dia seguinte, fácil hoje em dia com o GPS! Nessa noite até sonhei que chegava lá e enquanto gritavam agarra que é gatunoooooo me davam com um pau nas costas!
Quando lá cheguei fui recebido por uma senhora de idade que tratava do jardim melhor do que eu trato do coração, super simpática dizia-me ora bem… Vitória, sim, morou aqui, depois comprei-lhe esta casa, mas isso já foi há 10 anos rapaz. Mas porque procuras por ela? É tua avó? Bem, fez-me várias perguntas para tentar perceber se era a um rapaz de cabelo parafinado maior do que o dela, de calções e havaianas a quem podia confiar um papel que Vitória tinha deixado com ela quando saíu daquela casa. Mostrei-lhe então a carta e expliquei-lhe o porquê de ter ido ali, ela sorriu e disse-me então era por isto que ela era uma pessoa tão triste com um coração gigante, mas com olhar vazio. Antes de partir tinha-lhe pedido que se algum dia procurassem por ela que iria estar naquela morada, mas que se certifica-se que era por um bom motivo, pois já não tinha idade para surpresas desagradáveis.
Confidenciou-me que achou aquele pedido muito estranho, mas que sempre que lá batia alguém à porta sem ser os Helders ou as testemunhas de Jeová ficava ansiosa por saber se procuravam a antiga moradora, mas tal nunca tinha acontecido até à minha visita.
Fiquei maravilhado com tudo isto e a D. Esmeralda estava também a adorar, era uma senhora vivaça e engraçada. Tratamos logo de ir visitar Vitória ao lar na tal morada que lhe tinha deixado. Durante a viagem só me dizia “ai rapazinho, rapazinho isto até me sobe as tensões, mas sempre fui curiosa, que hei-de eu fazer?”. Muito me ri com esta senhora até chegar ao lar.
Era um lar antigo, fazia-me lembrar algo que só tinha visto nos filmes (só nos filmes os lares parecem fixes), uma serenidade indescritível. Tivemos de contar à dona do espaço o que nos levou até ali e cada vez que contava a história, mais aquilo mexia comigo. Pensava para mim que cena mais marada que me estou a meter, mas uma carta de sessenta anos merecia toda a minha dedicação. A verdade é que não mereceu só a minha, afinal já éramos três a querer descobrir e a querer contar a esta senhora que tínhamos encontrado a sua carta de amor.
Num jardim apresentaram-me finalmente Vitória, era uma senhora com cabelo prateado, de olhos azuis e sorriso calmo. Comecei por lhe contar que tinha encontrado aquela carteira e quando lhe mostrei o envelope e retirei a carta, respirou fundo e disse “a carta que escrevi ao Sebastião, Deus é grande”, sabem “eu amei-o muito, mas tinha 16 anos e a minha mãe achava que eu era muito jovem e não o queria para mim por ele ser pescador, mas nunca o esqueci”. Ficou desiludida quando percebeu que eu não conhecia o tal Sebastião, ao principio pensou que eu era neto dele, mas rapidamente lhe contei que tinha vindo da ilha quando tropecei na carteira.
Pensava para mim “parabéns Rui, quase provocaste um AVC à senhora que já tem o coração pior que o teu”, mas segundos depois disse-lhe D. Vitória prometo que vou fazer de tudo para encontrar este senhor e se assim for vou trazê-lo aqui. Ela suspirava e a D. Esmeralda dizia-lhe “ó minha querida quem já esperou estes anos todos, também espera mais um pouco, é preciso é mandar a morte esperar, ela que espere.”
Quando já estava quase no portão, D. Vitória deitou-me a mão ao ombro e disse-me “se vir o Sebastião diga-lhe que penso nele todos os dias, nunca me casei e olhe que não me faltavam pretendentes, mas nunca encontrei ninguém como o meu pescador, ele era tão bom homem e espero que me tenha perdoado, mas naqueles tempos não se ia contra a vontade dos pais…”.
Entrei no carro e deitei as mãos à cabeça, só me apetecia partir tudo, porque é que os pais têm sempre de se meter… nem ousei contar-lhe a minha história, ela ia ficar chocada ao saber que alguns ainda o fazem em pleno século XXI.
A D. Esmeralda começou por insistir para que fossemos ao local onde eu tinha encontrado aquela carteira (coisa que ainda não me tinha passado pela cabeça, grande nabo!) e lá fomos, mal cheguei ao local estavam quatro senhores e depois de contar a história mais uma vez, um deles disse-nos que o dono daquela carteira era o Sebastião-pescador e que ele no inicio da tarde já tinha ido lá perguntar se alguém a tinha encontrado. Diziam ui ele estava muito transtornado, até parecia que tinha lá todo o dinheiro da reforma e eu pensava para mim, ele só tinha dez euros, não ia ficar tão transtornado por isso, só poderia ser por ter perdido a carta que sempre guardou. E lá nos deram boleia até ao outro lado da ilha, a D. Esmeralda só dizia “ó Deus me acuda hoje até de barco ando, ai agora é que as minhas tensões disparam com este cheiro a peixe, cruzes credo, quem te manda meter nestas alhadas Maria Esmeralda, quem?”. Eu ria-me que nem um perdido e pensava o mesmo “Rui Miguel no que te estás tu a meter também?” enquanto imaginava cenas à Jack Sparrow no Pirata das Caraíbas.
E lá nos indicaram a casinha do Sebastião-pescador, era um senhor de poucas falas, mas deu logo para ver que era boa pessoa como a D. Vitória tinha dito pela maneira como nos recebeu. A D. Esmeralda nem me deixou respirar, contou-lhe a história num abrir e fechar de olhos. Ver aquele senhor de porte gigante com as lágrimas a correr-lhe pelo rosto queimado pelo sol enquanto dizia “Vitória, foi o grande amor da minha vida e único… eu também nunca me casei e também penso nela todos os santos dias, mas pensei que ela tinha casado com um primo que era doutor, eu era muito pobre e só tinha o meu barquito e o peixito que apanhava, ele podia dar-lhe o mundo, eu não. A minha vida terminou no dia que recebi esta carta.”, eu não dizia uma palavra, estava boquiaberto e mesmo que quisesse também não tinha hipótese pois a D. Esmeralda não se calava dizendo “ó Homem de Deus, isto foi um santo que lhe apareceu, amanhã vá ter conosco a Tavira que vamos levá-lo ao lar e lá se entendem”.
E lá viemos nós ao fim de um dia cheio de emoções, mais uma vez voltava daquela ilha com o ego confuso, mas desta vez com um sentimento de paz comigo próprio, acho que nunca tinha sentido tal. Finalmente ao fim de tantos tropeções pela vida, houve um que valeu a pena.
Tal como combinado, no dia seguinte, levei o Sebastião-pescador ao lar, acho que estava até mais nervoso do que ele. A D. Esmeralda entrou primeiro para preparar o coração da D. Vitória (até morria se não era ela a contar-lhe que o tínhamos encontrado). Quando nos deram sinal para entrar lá fui a encaminhar o pescador até ao jardim e nunca esperaria tal, dois velhotes a correrem um para o outro e a beijarem-se com tal afinco que ainda hoje acho que naquele momento trocaram de placas. Foi a coisa mais estranha, mas ao mesmo tempo mais bonita que vi até hoje, espero que não me censurem o texto, mas até os cabelos do rabo se arrepiaram naquele momento (risos).
Quando demos conta estávamos todos de lágrimas nos olhos, o porteiro, os enfermeiros, a dona do lar, todos!
Achei que o meu objetivo estava cumprido e mais do que cumprido, decidi sair de fininho, mas deixei-lhes o meu número para que me ligassem sempre que precisassem.
Não tardou muito para que a dona do lar me ligasse a contar que agora viviam lá os dois e que me estava a ligar porque o casalinho tinha decidido casar e claro lá fui eu, afinal um casamento com uma noiva de 76 anos e um noivo com 79 que se comportam como dois adolescentes era de facto irrecusável e eu até sentia que tinha dado um empurrão para finalmente poderem ter o que mereciam há tantos anos não podia faltar.
Isto tudo para vos contar, que a partir do dia que tropecei naquela carteira e com um bocado de curiosidade e sorte à mistura ao conseguir proporcionar um final feliz a estes dois, passei a acreditar que o que tiver de acontecer acontece.
Foi numa fase em que estava a sofrer por ter perdido o grande amor da minha vida, ainda por cima uma história tão parecida com esta, mas agora graças à Vitória e ao seu pescador tenho em mim uma paz serena e uma ansiedade mais branda para aceitar que talvez não pudesse ser agora o momento, mas que um dia… um dia tudo vai dar certo!
Pelo sim, pelo não, decidi deixar uma carta escrita, mas com dados bem legíveis, acho que só não deixei o meu número de contribuinte (risos) no sítio onde nos conhecemos pregada num pau, um bocado primitivo, eu sei, mas senti que era isso que tinha de fazer.
Agora vou fazer como o Sebastião, vou apanhar umas ondas para continuar a viver e quem sabe um dia quando apontar a lente a uma paisagem por aí, ela apareça outra vez…
Acreditem no amor, quando é de verdade ele volta!

5 comentários:

  1. História recheada de humor, amor e aventura! Gostei muito!

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  2. Que lindo! Fez-me lembrar o filme "Cartas a Julieta" :)

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  3. Olá! Sinceramente, estive a ler todo o blogue (até aqui) e tive que parar, porque achei isto simplesmente maravilhoso. Gostava de dizer ao autor que se isto aconteceu, ele está de parabéns por tudo (mesmo tudo).

    :)

    P.S. Também gostei dos outros posts/textos, mas este é fenomenal.

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