Ela estava sozinha havia 8 meses, ele há um pouco mais, não sabia precisar. Tinham-se conhecido por acaso, numa noite de primavera, amigos em comum, casualidade, circunstância premeditada…também não sabia dizer, nem tão pouco explicar. Tinha acontecido, como acontecem aquelas coisas que surgem de mansinho e se entranham na nossa vida. Era bom como os cheiros da nossa infância, como o sol de fim de tarde que não nos queima a pele mas embala e faz sorrir, como abraços apertados e verdadeiros que nos mimam e confortam, como a brisa quente e a saber a sal de fins de tarde no nosso rio, era simples e ela sempre acreditou que a felicidade estava nas coisas simples.
Ela estava a passar por um período de luto, fruto do fim de um relacionamento difícil pautado por muito amor, muita entrega, muita desilusão. Não queria voltar a acreditar, não queria apaixonar-se, não queria gostar, não queria tão pouco amar. Disponível, mas sentimentalmente enclausurada. A amizade que os uniu desde o primeiro momento crescia de dia para dia, aos olhos deles era só isso, amizade, aos olhos dos outros era algo mais, muito mais! Eram confrontados e desmentiam, ela nem aceitava que não compreendessem que entre um homem e uma mulher podia existir somente amizade e cumplicidade desmedida, apenas isso, em tudo desmedida, por ele tudo, por ela também.
O episódio que se segue talvez seja aquele em que ela se apercebe que o ama, em que invés de sentir alegria, o coração se lhe invade de pânico e tristeza.
Recebeu um convite para jantar de um homem em tudo adequado à sua maneira de ser, educado, charmoso, intelectualmente estimulante… Aceitou, preparou-se, vestiu-se, maquilhou-se…voltou atrás, desculpou-se com uma enxaqueca, não foi.
Ele, o amigo, mandou-lhe uma sms a perguntar como estava a decorrer, ela mais uma vez se desculpou, não tinha ido, estava com enxaqueca. Não acreditou nela, ligou, a medo ela atendeu, medo porque sabia como ele a conhecia, como ele era capaz de sentir o que se passava com ela à mínima vibração da sua voz.
Ele percebeu, 10 minutos depois estava à sua porta, de pijama, mandou-a descer, entrar no carro, arrancou…apanhar ar…porque o ar é de todos!
Pararam à beira-rio, em silêncio, sem uma única palavra, apenas e só aquela musica de fundo, foi ai que ela olhou para ele e percebeu, era por isso que não conseguia, aquele que amava estava ali, sempre presente, sempre consigo. Tentou controlar-se mas o pânico que lhe invadia o sangue foi mais forte, os olhos ardiam, a garganta estava seca e foi impossível de aguentar…uma torrente de lágrimas invadiu-lhe o rosto, chorou descontrolada, sem uma palavra, silêncio… Ele ouvia-a chorar, deixou-a chorar, sem uma palavra, silêncio…
Terminou, o carro arrancou…silêncio.
Chegaram à porta de casa dela, apenas um sorriso, cumplicidade, mas uma cobardia imensa de demonstrar o que sentiam, medo de perderem a amizade que os unia, nesse dia ela teve a certeza que tinha nele aquilo que queria, que sempre quis, nesse dia ela teve a certeza que aquele era o homem da vida e para a vida!
Passaram dias, semanas, cada vez mais cumplicidade, partilha, saídas, jantares, compras, opiniões, vida de casal sendo apenas amigos…cobardia, simplesmente cobardia! Ele estava presente em todos os momentos, nos bons, nos maus, nas festas, nos lutos…amigos…somente amigos. Ela acreditava que o amor era só dela, que ele não tinha interesse a não ser a feliz amizade que os unia, sofria por isso, mas só a simples amizade, a presença, ele…faziam-na tão mas tão feliz, não queria estragar isso…jamais!
Surgiu o convite para saírem só os dois, sem os amigos, sem o grupo, já tinham saído várias vezes sozinhos, mas não seria igual, seria um jantar a dois, fora da cidade que os viu nascer, crescer, conhecerem-se, seria uma saída a dois, a saída de fim de verão. Foram, o coração não lhe cabia dentro do peito, estava tranquila mas ao mesmo tempo a felicidade era tanta que o peito parecia que ia explodir.
Jantaram, beberam, riram muito, juntos eram imbatíveis, não havia tristezas, não havia quem os parasse…juntos eram o mundo! Juntos foram dançar, beberam mais, riram mais, beijaram-se, ele beijou-a…ela morreu…cobardia, medo de que aquele beijo estragasse tudo o resto. Optou por esquecer, por se deixar levar, por aproveitar o momento, com o homem que sabia era o da vida e para a vida! Aproveitaram ao máximo e regressaram a casa, ela decidiu que nessa noite ainda não dormiriam juntos…não podia ser…medo. Beberam café nos dias seguintes, esplanadas com calor, olhares e sorrisos ainda mais cúmplices, carinhos e ela cada vez mais convencida de que…quem sabe…podia resultar. No fim de semana seguinte, numa festa em casa de uma amigo, juntaram-se novamente, beijaram-se novamente, no silêncio da noite e no fresco da piscina fizeram amor pela primeira vez. Parecia surreal, não estava acontecer, tudo perfeito demais, tudo simples, tudo maravilhoso… Mais uma semana se passou, mais cafés, sorrisos, cumplicidade, tudo sem conversa, a cobardia continuava presente, não haviam perguntas, sobre o que se passava entre os dois, sobre o que iria dar, sobre o facto de serem amigos e andarem enrolados…ela tinha medo de perguntar, tinha medo da resposta, tinha medo que tudo se perdesse. Voltaram a estar juntos no fim de semana seguinte, dormiram juntos, ela passou a noite em branco, só a olhar, a sentir-lhe a respiração, o cheiro da pele, a conhecer aquilo que não conhecia, a maneira dele dormir, a posição, a forma como respirava…tudo. Mais uma semana, mais um fim de semana, mais uma noite juntos, na casa dela, na cama dela que era sagrada e apenas um homem tinha conhecido, acordou e sentiu o abraço dele, sentiu pela primeira vez a força de tudo o que os unia, ela ia jurar que nesse dia tinha sentido amor, verdadeiro, puro…porque ele era o homem da vida e para a vida…ela tinha a certeza…foi a ultima noite que passaram juntos.
(Continua)